Orgulho: porta aberta aos Espíritos imperfeitos
José Queid Tufaile Huaixan
A história da humanidade é marcada por lutas sangrentas na busca do homem pela liberdade de pensar e agir. O mundo ainda se debate para aperfeiçoar seus sistemas políticos tendo em vista alcançar a sonhada democracia. O Espiritismo, doutrina enviada ao mundo por Jesus Cristo como cumprimento de sua promessa consoladora, contribuiu sobremaneira para termos acesso a uma nova visão da vida na Terra e nas dimensões que se estendem além da morte. Se absorvida pela humanidade, a Codificação poderia trazer o tão querido reino de paz e justiça para os homens.
Mostra-nos a doutrina que a criatura humana pode e deve ser livre. Para isso, conscientiza-a de suas responsabilidades perante seus atos. Demonstra que só pode haver um estado de direito, onde há liberdade com responsabilidade. Se não foi aceita pela humanidade, pelo menos em nós deveriam florescer os ideais nobres da razão. Allan Kardec foi um livre-pensador por excelência. Conosco já não acontece o mesmo. Cresceu em nossas fileiras um mal chamado preconceito, onde não se permite a crítica.
O trabalho que apresentaremos aqui, não se trata de posicionamento pessoal ou de teoria radical. Nossa exposição é uma visão crítica, um ponto de vista acerca de uma enfermidade moral que vem sufocando aos poucos o trabalho do Espírito de Verdade. O agente deste mal é o orgulho.
O orgulho
O orgulho e o egoísmo andam de mãos dadas. São sentimentos onde o amor-próprio procura preservar a individualidade em prejuízo da vida coletiva. Todos nós trazemos suas marcas na conduta, em face de estarmos ligados ao instinto de preservação. O Espírito quando está em sua fase animal vive a plenitude dos instintos. Na impossibilidade de raciocinar, procura instintivamente preserva-se das intempéries do meio. Entre os interesses de um indivíduo e de outro, valem os interesses da individualidade. Isso é o egoísmo e o orgulho.
A medida que o Espírito evolui, passando por milhares de encarnações em variados mundos, adquire pouco a pouco a inteligência, que vai gradualmente se sobrepondo ao instinto. Com o raiar da civilização, sente necessidade da vida social, passando também a preocupar-se com o próximo. Isso é a iluminação. Este processo é lento e se desenvolve com o passar dos séculos.
Mais tarde, tomando consciência da Lei Divina que nos orienta, melhoramos o comportamento passando a ter maior domínio sobre o orgulho. Este sentimento, comum a todos nós, pode ser excitado pelo meio em que vivemos, pelas paixões e pelos maus Espíritos. Por isso, Jesus Cristo, o divino professor, recomendou o "orai e vigiai para que não entreis em tentação".
Na vida religiosa, o orgulho se desenvolve de modo especial. Devido à idade espiritual heterogênea, os homens geraram uma multiplicidade de religiões, cada qual interpretando a teoria divina a seu modo. Acreditam que por estar nesta ou naquela seita já estão salvos. No movimento espírita vem acontecendo coisa bastante parecida. Os Espíritos Superiores demonstraram que a salvação se dá por obras morais. Em nenhum momento disseram que só os espíritas se salvam, mas sim os que praticam o bem. O espírita tornou-se invigilante em sua conduta, deixando-se dominar por vícios grosseiros. O sentimento de valorização pessoal cresceu e desobrigou-nos de seguir a bandeira espírita, que diz ser verdadeiro cristão aquele que se esforça constantemente para dominar as más inclinações.
A influência do orgulho na vida do homem
"O egoísmo e o orgulho matam as sociedades particulares, como matam os povos e as sociedades em geral. Lêde a história e vereis que os povos sucumbem sob o amplexo desses dois mortais inimigos".
Estas são palavras do Codificador do Espiritismo e exprimem sua preocupação com a erva daninha chamada orgulho. Se examinarmos a história dos grandes impérios que existiram na Terra, tais como: o Egípcio, o Assírio, o Babilônico, o Medo-Persa, o Grego e o Romano, é simples concluir que a causa de suas destruições esteve sempre intimamente ligada ao orgulho.
O sentimento de importância despertado por ele põe por água abaixo as relações sociais dos povos e dos grupos. Entre nós, o orgulho tomou uma forma especial, pois se vestiu com o manto da humildade, das aparências. Durante anos fomos condicionados a nos manter calados perante o erro. Esta atitude derivou da má interpretação de mensagens espirituais e do radicalismo assumido por alguns líderes espíritas. Há entre nós vestígio de hipocrisia, um mal já presente no tempo de Jesus Cristo.
O orgulho e a hipocrisia
O orgulho tem a tendência de criar em torno da criatura verdadeira prisão. Quando se faz manifesto num grupo, exalta-lhe o amor próprio a ponto de distorcer-lhe a razão e a capacidade de julgar o bem e o mal. Leva-o a fechar-se em si mesmo, valorizando-o em seu sentimento de importância. Afasta-o das pessoas comuns, pois para ele tudo que é simples é inferior.
Aparecem o elogio desmedido, a troca de honras, pompas, reconhecimentos públicos e a adoração de personalidades. É o afastamento do homem da sua relação com Deus. Abrem-se as portas para o domínio dos maus Espíritos e a terrível fascinação.
"De todas as disposições morais, a que maior entrada oferece aos Espíritos imperfeitos é o orgulho. Este é para os médiuns um escolho tanto mais perigoso quanto menos o reconhecem".
Allan Kardec demonstra neste pequeno texto, o grande perigo a que estamos sujeitos nas relações com os Espíritos, em face do orgulho.
O risco da fascinação é uma constante. Está presente com maior probabilidade em duas situações distintas: na primeira, junto aos grupos novatos. Os que se iniciam na prática do Espiritismo devem armar-se de cuidados por causa da euforia. A sede do fazer, aliada à inexperiência pode levá-los a situações de perigo. É conveniente que os neófitos busquem trocar experiências com outras sociedades mais amadurecidas. É preciso precaver-se contra uma idéia comum: a de que se tem uma missão a cumprir. É uma tentação pela qual quase todos passam.
Na segunda situação, temos o mais grave. A fascinação pode instalar-se em grupos que já passaram da meia idade. O excesso de confiança nos Espíritos, o desleixo com a vigília, o envolvimento pela falsa humildade são os caminhos da obsessão. Na fascinação o orgulho se faz extremamente manifesto.
Por estarem embasados na experiência, essas sociedades descuidam-se e acabam vítimas da nefasta influência dos fascinadores. Ainda é de Kardec a afirmativa de que infelizmente o orgulho é um dois defeitos que somos menos inclinados a reconhecer e que é difícil dizer aos outros que seus problemas são provenientes do orgulho. Certamente não acreditariam.
"Podeis dizer a um homem que ele é bêbado, debochado, preguiçoso, incapaz e imbecil; ele rirá ou concordará; dizei-lhe que é orgulhoso e ficará zangado".
O orgulho e o movimento espírita
O orgulho destruiu a organização de muitas sociedades do passado. Sabemos que sua ação imperiosa foi a grande responsável também pela desagregação da Igreja. Por séculos manteve-se ela fechada em idéias que julgava certas, afastando-se progressivamente do povo, ocupando-se de paramentos e atos de exterioridade. Homens corajosos, como João Huss (1369-1415), Martinho Lutero (1483-1546), João Calvino (1509-1564) e seguidores, ergueram suas vozes e disseram: Basta! Promoveram reformas destinadas a tirar a prática do cristianismo da ilusão do orgulho, aproximando-a dos necessitados.
Façamos algumas perguntas a título de reflexão: depois do testemunho da história e do alerta dado pelos Espíritos acerca do orgulho, nós espíritas teríamos caído no mal da invigilância? Teria aparecido entre nós o personalismo, o mal da idolatria? Não estaríamos exagerando, crendo na salvação pelas obras exteriores? O Espiritismo estaria se distanciando do povo? Será que a forma mansa com que nos expressamos não esconde uma ponta da hipocrisia dos antigos fariseus? Que males teria trazido o orgulho para o movimento? Teriam os maus Espíritos comprometido parte da comunidade? Quanto? Vale a pena fazermos uma reflexão sobre essas questões e trabalharmos para nossa melhoria pessoal e, por conseqüência, do próprio movimento.
O mal e o remédio
A humanidade vem nos últimos anos passando por transformações assustadoras. A influência da matéria sobre a vida cresce incessantemente. Os valores morais estão sendo corrompidos com extrema rapidez. Nunca o mundo precisou tanto do Espírito Consolador como neste tempo em que vivemos. O Espiritismo pode fazer muito ao homem na época atual. Talvez, esteja em nossas mãos a tarefa de constituir grupos capazes de enfrentar a transição que se aproxima. Estaríamos preparados para isso? Sim, temos uma estrutura material capaz de cumprir com esse papel; porém, nossa estrutura moral e espiritual está abalada. Se vivêssemos um tempo de provações coletivas, dificilmente suportaríamos. Como estamos, não serviríamos de elemento aglutinador.
Temos, pois, que fortalecer a nós mesmos, nossas sociedades e o nosso movimento. Para influenciarmos o mundo, temos que estar unidos. Unidos em pensamentos, em práticas, em fins, fundamentalmente. Fora disso não há união. Unificação por dentro. Esta sim é difícil de se promover, pois depende de discussão, aceitação, argumentação, renúncia, humildade e trabalho. Ainda que sejamos poucos, se pensarmos juntos, teremos forças. De que servem milhares de núcleos que não se entendem entre si? Que poderão fazer no grande trabalho coletivo que nos espera? As deficiências das casas, o desânimo, o desinteresse que se multiplica pelas coisas de Deus são claros testemunhos de que algo vai mal. Reflexão, discussão, participação, conclusão, renovação, eis os remédios.
Comecemos por aplicá-los. O primeiro trabalho é a nível pessoal. Perguntemos: como temos vivido moralmente? A vida com esposa, esposo, filhos, patrão e empregados? Temos cultivado o amor para com o próximo? Como é o nível real de nossos conhecimentos? Qual a verdadeira experiência que temos com os Espíritos? Somos um trabalhador espírita ou só um freqüentador? Existe omissão frente as nossas responsabilidades pessoais?
A seguir, a vida espírita do grupo. Como tem sido nosso trabalho? Há controle dos tratamentos espirituais para saber se são produtivos? Nosso trabalho mediúnico é organizado? As sessões de passes necessitam de melhorias? Há escolinha de evangelização infantil, escola para iniciantes no conhecimento espírita? Temos participado financeiramente da sociedade, para ajudá-la em suas obras? A sociedade não espírita recebe alguma influência do trabalho? Há propaganda a respeito do Espiritismo? E a feira do livro, não está esquecida? Temos reunido nossa diretoria para discutir todos esses temas?
Por fim, o movimento. Que temos feito por ele? Participamos dos Encontros, Eventos, Congressos?
Contribuímos com idéias novas, com experiências pessoais, ou nos limitamos a ouvir? Temos trabalhado pela causa? A causa tem afetado nossa vida pessoal? Frente aos desmandos, temos nos mantido calados? Não estaríamos sendo coniventes com o erro? Temos procurado estudar os problemas que envolvem a prática espírita?
O Espiritismo é uma doutrina dinâmica. Deve estar em constante mudança e atividade. A inércia é sua condenação. É preciso pensar, opinar, participar. Ainda que nosso pensamento seja errado, isso não importa. Mais cedo ou mais tarde, encontraremos quem nos esclareça pela razão. Basta sermos flexíveis para aceitar mudanças no posicionamento.
O silêncio pode parecer humildade mas nem sempre é sinal de sabedoria. Hoje, quem não participa fica para trás. A reflexão, a auto-crítica pessoal e coletiva, é o grande remédio para diminuir a ação enfermiça do orgulho sobre nós. Tiremos do nosso coração a idéia de que no "céu" há um mundo onde convivem os de aparência de mansidão. Este é o paraíso forjado pela Igreja. No além, nos mundos de luz, convivem os que têm a sinceridade da mansidão e os que lutam pela transformação das coisas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário