segunda-feira, 9 de setembro de 2013

NÃO SAIBA A VOSSA MÃO ESQUERDA O QUE DÊ A VOSSA MÃO DIREITA

Não Saiba a Vossa Mão Esquerda o que Dê a Vossa Mão Direita
Autor: Renato Costa
 
Estudo do O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo XIII
(principais trechos do artigo)
 
 
Praticar o Bem sem Ostentação
 
Os Capítulos 5 a 7 do Evangelho de Mateus relatam o chamado Sermão da Montanha, monumental ensinamento que o Mestre nos legou e que, por si só, representa um completo manual para atingirmos a perfeição. No Capítulo VI, o evangelista nos relata as seguintes palavras de Jesus:
 
Tende cuidado em não praticar as boas obras diante dos homens, para serem vistas, pois, do contrário, não recebereis recompensa de vosso Pai que está nos céus. - Assim, quando derdes esmola, não trombeteeis, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Digo-vos, em verdade, que eles já receberam sua recompensa. - Quando derdes esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita; - a fim de que a esmola fique em segredo, e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos recompensará. - (Mateus, VI, 1 a 4)
 
Fazer o Bem sem Ostentação é o título que Kardec escolheu para comentar a passagem acima. Disse ele:
 
A beneficência praticada sem ostentação tem duplo mérito. Além de ser caridade material, é caridade moral, visto que resguarda a suscetibilidade do beneficiado, faz-lhe aceitar o benefício, sem que seu amor-próprio se ressinta e salvaguardando-lhe a dignidade de homem, porquanto aceitar um serviço é coisa bem diversa de receber uma esmola. Ora,converter em esmola o serviço, pela maneira de prestá-lo, é humilhar o que o recebe, e, em humilhar a outrem, há sempre orgulho e maldade. A verdadeira caridade, ao contrário, é delicada e engenhosa no dissimular o benefício, no evitar até as simples aparências capazes de melindrar, dado que todo atrito moral aumenta o sofrimento que se origina da necessidade. Ela sabe encontrar palavras brandas e afáveis que colocam o beneficiado à vontade em presença do benfeitor, ao passo que a caridade orgulhosa o esmaga. A verdadeira generosidade adquire toda a sublimidade, quando o benfeitor, invertendo os papéis, acha meios de figurar como beneficiado diante daquele a quem presta serviço. Eis o que significam estas palavras: "Não saiba a mão esquerda o que dá a direita."
 
 
Na prática da beneficência devemos nos vestir, deslocar e comportar com simplicidade, de modo a reduzir, o mais que possível, a aparência de distância social entre nós e aqueles que beneficiamos. Devemos olhar nos olhos das pessoas, oferecer a elas nossas mãos, em relação afetuosa, levá-las a nos ver não como seres iluminados que desceram à Terra, mas como seus iguais que têm um pouco sobrando que lhes pode ser dado. Tal percepção é a mera expressão da verdade, pois, se temos condição de ajudar e se outros necessitam de auxilio, tanto uma quanto a outra condição foram dadas pelos respectivos guias espirituais, tendo em vista a necessidade evolutiva de cada um, não sendo, de modo algum, o reflexo do mérito de uns e do demérito dos outros. Se o que temos a dar é dinheiro, que saibamos dar cem reais com a mesma expressão no rosto que se estivéssemos a dar dez centavos, posto que se temos muito para dar, isso não nos é mais meritoso do que se pouco estivesse ao nosso alcance.
 
Caridade se Ensina às Crianças
 
Sim, caridade se ensina, por palavras e, sobretudo, pelo exemplo. Como as crianças não trabalham e, desse modo, não possuem dinheiro ganho com seus próprios esforços, é uma excelente oportunidade para que mostremos a elas como podem fazer caridade sem dar esmolas. Podemos envolvê-las nas ações caritativas pedindo sua participação com trabalhos que estejam ao seu alcance, valorizando esses trabalhos e explicando o mérito dos mesmos. Podemos envolvê-las nas preces pelos necessitados. São muitas as maneiras de ensinarmos a caridade às crianças.
 
Levando as crianças a nos acompanhar em atividades caritativas passarmos a ter parâmetros com os quais poderemos comparar se os desejos que nos manifestam são justos e necessários. Um filho que tenha consciência da existência de outras crianças que não têm o que comer é mais facilmente convencido de que não deve falar mal da comida que lhe servem, que deve comê-la com respeito, que deve orar a Deus em agradecimento por tê-la disponível e que não deve ficar pedindo guloseimas a toda hora. Sabendo que há pessoas que não têm o que vestir, não se tornará um escravo da moda, sabendo se vestir com simplicidade. Sabendo, enfim, que muitos não têm onde morar, não têm acesso a médicos quando estão doentes nem a consolo quando se sentem perturbados emocionalmente, nossos filhos serão homens de bem quando crescerem, conscientes do quanto tiveram para crescer e se educarem e, provavelmente, saberão ajudar aos necessitados sempre que os encontrarem.
 
Lembrando que a caridade não é apenas material mas, também, moral, devemos constantemente, pelo exemplo, principalmente, mas também, pelas palavras, ensinar às crianças a serem tolerantes, pacientes e gentis com seus colegas e amigos, em primeiro lugar, mas também com as demais pessoas com que se relacionam ao longo do dia. Podemos ensiná-las a identificar os infortúnios ocultos de modo que saibam desde pequenos quando devem ser tolerantes, compreensivos e prestativos quando alguém com que se relacionam demonstre os sintomas de sofrimento físico ou moral.
 
Mais que homens de bem, se ensinarmos a nossos filhos a caridade moral, além da material, eles serão os verdadeiros cristãos de que a nossa Terra precisa para se tornar o mundo de regeneração que tanto esperamos e pelo qual tanto oramos.
 
Ser Caridoso não é ser Sisudo
 
Antes de continuarmos nosso estudo, é bom que comentemos um mal-entendido que costuma ocorrer quanto ao comportamento das pessoas caridosas.
 
Tanto o mendigo doente que se vê jogado a um canto da calçada, quanto o executivo elegante, mas de rosto tenso e coração descompassado, são seres humanos, Espíritos encarnados com as mesmas necessidades de afeto e compreensão.
 
A tão conhecida Oração de São Francisco, da qual falaremos mais à frente, dá a receita para quem deseja trilhar o caminho da caridade: Onde houver tristeza, que eu leve a alegria
 
Se aquele que desejamos ajudar se encontra abatido, acabrunhado, em nada ajudaremos se nos aproximarmos dele com o ar sisudo e sério. Para enfrentar a tristeza, saibamos portar um olhar sereno, mas alegre, saibamos ter gestos cordiais, nos portar como se nos dirigíssemos a uma pessoa amiga que nos dá prazer encontrar.
 
Não estamos incentivando ninguém a se aproximar dos necessitados dando gargalhadas. O sorriso, o riso e a gargalhada são diferentes intensidades da manifestação da alegria que devem ser corretamente dosadas para cada ocasião. Pode haver ocasiões em que uma boa gargalhada seja útil assim como outras em que o máximo que convém é um leve sorriso.
 
Na prática da caridade, seja ela material ou moral, devemos, portanto, nos portar convenientemente a cada situação. Abordagens padronizadas devem ser evitadas. Avaliemos com cuidado e atenção as necessidades do irmão a quem queremos ajudar e, com base em nossa percepção e na avaliação que fizermos dessa percepção, escolhamos a abordagem mais adequada a cada caso.
 
A Caridade, Segundo Paulo
 
Na Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, o incansável apóstolo dos gentios nos fala, de modo poético e sábio, sobre a Caridade:
 
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada. Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!
 
A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
 
A caridade jamais acabará. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará. A nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita. Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Desde que me tornei homem, eliminei as coisas de criança. Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido.
 
Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três. Porém, a maior delas é a caridade.
 
A transcrição acima foi feita a partir da tradução dos originais gregos realizada pelos Monges de Maredsous. Ela, como a Vulgata, se refere à caridade. Ocorre que outras traduções, como a edição revisada de Almeida, utilizam, em lugar de "caridade", a palavra "amor". Afinal, poderíamos nos perguntar, de que falava Paulo, da "caridade" ou do "amor"? Para podermos responder a esta pergunta, é necessário recorrermos ao original.
 
O Amor e a Caridade
 
Ao recorrermos ao original grego, verificamos que a palavra utilizada é agape. No grego antigo havia três palavras que são traduzidas como amor. São elas: eros, fília e ágape. Na verdade, como veremos, são estágios evolutivos do amor. Ao galgarmos o seguinte, não abandonamos o anterior, guardando dele, no entanto, apenas o que tem de melhor.
 
Eros é o amor apaixonado, o desejo intenso por alguma coisa ou alguém. Ele é, comumente, associado ao amor sexual, mas, na realidade, é mais que isso. Eros é o estágio primitivo, irracional do amor, correspondendo às paixões que sentimos, seja por pessoas, coisas ou idéias. Eros está relacionado à satisfação pessoal, ao sentimento de realização, como, também, ao orgulho e à vaidade. Se estacionarmos nesse estágio, nosso amor é egoísta, tudo querendo para nosso próprio prazer, nossa própria satisfação. No entanto, se o possuirmos de forma controlada e o utilizarmos como um motor para as nobres realizações em benefício do próximo, é instrumento importante à nossa disposição, pois nos mantém vibrantes e empolgados, não nos permitindo desanimar jamais.
 
Estritamente, Fília se refere ao amor existente entre pais e filhos, entre familiares e entre entes próximos. Por extensão, porém, pode ser entendido como amizade. Ao contrário de Eros, Fília ocorre como o resultado da apreciação que temos por aqueles que nos são próximos. É amor emocional, mas, também, racional. Como Fília se entendem, também, as lealdades que temos na família, no trabalho e na sociedade em geral. Se nos satisfazemos com Fília e restringimos nossas ações do bem àqueles que nos são queridos, permanecemos no amor possessivo, pois, ao limitarmos nossa ajuda aos entes que nos são mais próximos, forçosamente esperaremos deles fidelidade a nós, julgando-os nossos devedores. Estacionados nesse estágio, somente amamos nossos familiares, nossos colegas, nossa raça, nossa cor de pele, nossa religião, formando, com quem se encontra no mesmo estágio que nós, as diversas comunidades exclusivistas e sectárias que se espalham pelo mundo afora. Entretanto, Fília pode ser usado, também, com equilíbrio e sabedoria, da mesma forma que Eros. Basta que saibamos que todos são filhos de Deus e, portanto, nossos irmãos e irmãs, constituindo toda a humanidade uma imensa família.
 
Ágape se refere estritamente ao amor de Deus pelos homens e dos homens por Deus, mas pode ser entendido como o amor incondicional, o estágio final da evolução do amor. Quem tem ágape no coração faz o bem sem ostentação, serve a todos com igual dedicação, percebe os infortúnios ocultos e age para minorá-los, assim como se empenha nas grandes desgraças com bravura e determinação. Ensina a todos à sua volta, não tanto por palavras, mas, mormente, pelo exemplo constante. É alegre e sereno, estando sempre pronto para o serviço do bem e a cada um se dirigindo conforme suas necessidades.
 
O amor ágape é paciente, bondoso. Não tem inveja, não é orgulhoso. Não é arrogante, nem escandaloso. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O Amor Ágape em ação se chama Caridade
 
Conclusão
 
Na questão 886 de O Livro dos Espíritos, Kardec perguntou:
 
Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus?
 
Recebendo dos Espíritos a seguinte resposta:
 
Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.
 
Como vimos, a Caridade, seja ela material ou moral, deve ser feita a todos, com discrição e desprendimento. Ela pode e deve ser ensinada a todos aqueles que estiver ao nosso alcance ensinar, com palavras, quando possível, mas, sobretudo, com nossas atitudes. Fiscalizemos nosso pensamento, nossas palavras e ações, o tempo todo, verificando se estamos sendo caridosos. Se constatarmos que faltamos à caridade com este ou aquele irmão, não desesperemos, fazendo o reparo na primeira oportunidade que se apresentar. Não enalteçamos a caridade de um irmão em detrimento da de um outro, que nos pareça menor, uma vez que nada sabemos do que um e o outro podem dar. Avaliemos com atenção a necessidade de cada irmão a quem vamos ajudar, para que saibamos usar, em cada caso, a abordagem mais adequada ao sucesso da empreitada.
 
Vamos falhar, sim, falhar muito no início. Nosso amor ainda tem muito de Eros e de Fília. Evoluir para o amor Ágape, identificado com a verdadeira Caridade Cristã, é o esforço que devemos fazer dia após dia. Pode levar anos, décadas, séculos ou milênios, não faz mal.
 
O importante é que jamais desistamos de ser caridosos, conscientes de que, como nos ensina a Codificação:
 
"Fora da Caridade não há Salvação"
 
"Fora da Caridade, não há Verdadeiro Espírita".
 
Bibliografia
 
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 112 Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1996.
 
Id. O Livro dos Espíritos. 76 Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1995.
 
Id. Viagem Espírita em 1862. 3 Ed. Matão: Casa Editora O Clarim, 2000.
 
LOUSADA, Vinícius. Reflexão sobre a Caridade. In Revista Internacional de Espiritismo, Ano LXXX, no 01, Fevereiro de 2005.
 
PASTORINO, Carlos Torres. A Sabedoria do Evangelho. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1965.
 
RENOUX, Christian. The Origins of the Peace Prayer of Saint Francis. Obtido em 11 de abril de 2005 de http://www.franciscan-archive.org/franciscana/peace.html
 
A Bíblia Sagrada. Versão de João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada. Obtido de http://www.bibliaonline.org em 22 de março de 2005.
 
Bíblia Sagrada. Tradução dos Monges de Maredsous. 112 Ed. São Paulo: Ave Mara, 1997.
 
Philosophy of Love. In The Internet Encyclopedia of Philosophy. Obtido de http://www.utm.edu/research/iep/love.htm em 05 de abril de 2005.
 
 
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